segunda-feira, 25 de maio de 2015

CRIME E CASTIGO

Reflexões sobre o sistema carcerário brasileiro

Por Harlem Carvalho e Yuri Carvalho

CRIME E CASTIGO

O  CONSERVADORISMO, que não deve ser confundido com reacionarismo, parte da premissa da existência IMPERFEIÇÃO HUMANA, enquanto a IDEOLOGIA MARXISTA  apregoa que o homem nasce puro e adquire imperfeições impostas a ele pelo capitalismo. Desta forma o nascimento do NOVO HOMEM seria possível numa sociedade socialista-comunista asséptica e igualitária. Por este princípio, então o recrudescimento da criminalidade no Brasil nos últimos 12 anos de governo esquerdista, que se vangloria de ter emancipado milhões de pobres, passa a ser um paradoxo desconcertante.

Nos últimos dias a discussão sobre crime, castigo, reabilitação e direitos humanos dos delinquentes voltou com toda força após o latrocínio que vitimou o exemplar médico e Professor Jaime Gold, ocorrido na lagoa Rodrigo de Freitas no Rio de Janeiro em 20/05/15. Iniciou-se a partir desta tragédia um debate acalorado sobre REDUÇÃO DA MAIORIDADE, algo que teria forte efeito simbólico, mas que não seria o xis da questão. Na verdade é o ENDURECIMENTO DAS PENAS, a AGILIZAÇÃO DO PROCESSO PENAL - com redução da possibilidade de interposição de recursos - mais a REFORMA DO SISTEMA PRISIONAL que têm a abrangência real para combater a licenciosa IMPUNIDADE no País. Este clamor da população acuada pela escalada da violência esbarra no ESTABILISHMENT ESQUERDISTA DA REABILITAÇÃO, incensado na grande mídia e amparado em núcleos de interesse jurássicos no meio acadêmico. A dissonância fica evidente quando se analisa pesquisas de opinião como a do DATAFOLHA, divulgada em 15/04/15, na qual 87% da população se mostrou favor da redução da maioridade penal. Num inquérito do Telelistas em 2013, 65% dos entrevistados se mostrou simultaneamente a favor da pena de morte e prisão perpétua.

Vem de Foucault (1926 - 1984), filósofo festejado pela esquerda, uma das primeiras figuras públicas francesas a morrer pela SIDA - HIV, autor do livro "Vigiar e punir", uma das bases conceituais para o discurso "politicamente correto", mas deletério, de abrandamento das penas e a ressocialização [1]. À medida que a criminalidade galopa na América Latina dominada pelo Foro de São Paulo, confirma-se na prática a falência de suas idéias. O que se pode aproveitar daquilo que escreveu sobre este relevante tema, é o sentido da punição que, para além de equiparar os atos, teria um efeito social pedagógico, ao fazer o delinqüente pagar um preço pouco maior que a recompensa por seu delito. Seria um modo de educar a sociedade, deixando evidente que os seus acordos e contratos deveriam ser cumpridos, preservando seu funcionamento [1]. O tecido social permaneceria de pé apesar da desordem causada pelo criminoso, vencendo a coletividade e não o infrator.

John Locke, uma das mais respeitadas fontes da Filosofia moderna, ainda no século XVII, teorizou que o Governo, por pacto firmado entre os homens, concentraria o direito de julgar e castigar criminosos, de modo a assegurar a toda comunidade a segurança e a paz [2]. Mas é outro filósofo francês, que em seu tempo tornou-se autoridade no estudo de sistemas prisionais, quem deveria servir de exemplo para ajudar combater o caos cada vez pior nas cadeias brasileiras, o que por si já teria grande impacto no cenário de barbárie que o País atravessa. Tocqueville (1805 - 1859), ardente defensor da liberdade e democracia, autor de "A democracia na América", escreveu também sobre o até hoje eficaz sistema norte-americano ("Du système pénitentiaire aux États-Units et de son application en France -1833). Esta obra foi premiada pela Académie des Sciences morales et politiques, aplaudida e traduzida em muitos países. Aquele relatório, inicialmente despretensioso, passou a ser referência constante nas discussões de projetos e reformas de sistemas penitenciários de toda Europa Ocidental, que hoje conta com as melhores estatísticas de delitos e cárcere [3].

A população anseia sim por um modo eficiente de punição e regeneração moral dos criminosos. Esta justa demanda precisa ficar clara aos agentes políticos da esquerda ora de plantão no poder, que certamente faltaram  às importantes aulas de História do século XX e também cabularam na disciplina de Filosofia. A única preocupação destes é delimitar seu quinhão de votos, afrontando ao bom senso com um discurso igualitarista demagógico, não importando o que seja certo ou errado ou a vida dos pagadores de impostos.

REFERENCIAS:

1. FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir.
2. ABRÃO, Bernadete Siqueira. História da Filosofia - Coleção Os Pensadores, ed. Nova Cultural, 1999.
3. TOCQUEVILLE, Alexis; BEAUMONT. Sobre o Sistema Penitenciário nos Estados Unidos e Sua Aplicação na França. Série Ciências Sociais na Administração, FGV. Disponível em http://eaesp.fgvsp.br/sites/eaesp.fgvsp.br/files/arquivos/tocqueville-beaumont_sobre_o_sistema_penitenciario_nos_estados_unidos.pdf

*Demais referências citadas diretamente no texto.

domingo, 12 de outubro de 2014

Introdução ao neoliberalismo I

INVESTIMENTO ESTRANGEIRO DIRETO (IED) NO BRASIL – ANÁLISE DE CONJUNTURA

Por Yuri Freire de Carvalho Espírito Santo

Por investimento estrangeiro entende-se a forma de relação de câmbio (trocas) e mercadológicas nas quais empresas não “autóctones” ou alóctones alocam investimentos no país mantendo trocas de recursos e lucros entre a sede (matriz) e a sua filial. Ou seja, é um investimento feito por um país em uma empresa estrangeira com fins de adquirir um interesse duradouro para a nação1. Nessa relação de troca, a empresa busca novos mercados e fontes de lucro, e o país retornos decorrentes da instalação da empresa no seu território (serviços, conhecimento, tecnologia, etc).

Nas últimas décadas, especificamente a partir da década de 90, o Brasil vem sendo cada vez mais procurado por esse tipo de investimento. Muitas análises chegam a pontos comuns, atribuindo, dentre outros motivos, o fato de o Brasil se encontrar na condição de país emergente (dentre os quais destacam-se os BRICs2) – e por isso mesmo com um imenso potencial mercado consumidor, além de buscar atrativos para o seu parque industrial interno bem como o aumento da oferta de serviços necessários para inclusão desse mercado -, a capacidade de estabilização dos níveis inflacionários através do Plano Real, estímulo à economia e utilização de câmbio flutuante sujeito à intervenções do Banco Central e por último, devido a capacidade brasileira de atuar na consolidação, formação e liderança de um bloco (Mercosul) que gera um grupo de países que se estabilizam mutuamente, diminuindo os riscos dos investimentos e possíveis crises.3,4

Outro aspecto importante, não explícito, a priori, pelos analistas da conjuntura que permitiu tais investimentos, é o fato de o Brasil possuir um imenso potencial energético e recursos naturais. Esses elementos atraem empresas que buscam consolidação no desenvolvimento de novas fontes de energia, bem como empresas que se interessam na busca de matéria-prima para utilização na indústria pesada e tecnologia científica (ciências aeroespaciais, náuticas, biotecnologia, etc).

Diante da entrada massiva do capital estrangeiro sob forma de investimento direto no país, temos efeitos diretos visíveis que vão desde imediato até longo prazo, como a ampliação de oferta de serviços (muito antes não disponíveis no país, como internet banda larga e telefonia móvel), aumento do emprego direto e indireto, desenvolvimento regional (que busca oferecer outros serviços e produtos para alocar o trabalhador e população na região da empresa) e estímulo ao mercado interno.

Dentre os aspectos negativos incluem-se a exploração de recursos locais por parte de estrangeiros, de modo a fragmentar a soberania nacional sobre os seus recursos naturais, a vazão de dinheiro e recursos advindos do lucro para fora do país que sempre irá para o país sede, entrada massiva de produtos estrangeiros e moeda estrangeira desvalorizando a moeda local e influência (muitas vezes ingerência) de elementos políticos estrangeiros na política nacional, o que pode muitas vezes contrariar interesses locais.4

















REFERÊNCIAS
1.       Foreign Direct Investment, Conferência das Nações Unidas para Comércio e Desenvolvimento. Disponível em: pt.wikipedia.org/wiki/Investimento_estrangeiro_direto
2.      Http://www.onu.org.br/onu-destaca-aumento-do-investimento-estrangeiro-entre-brasil-russia-india-china-e-africa-do-sul/
3.      O.C João Guilherme; A.F. Elaine. O Impacto do Investimento Direto Estrangeiro no Crescimento da Economia Brasileira. Rev. Planejamento e Políticas Públicas, n 41, dez 2013. Disponível em: http://www.ipea.gov.br/ppp/index.php/PPP/article/viewFile/249/311

4.      Investimentos Estrangeiros no Brasil. Aula No 13, UVB. Análise da Conjuntura  Econômica Nacional. Faculdade OnLine UVB. Disponível em: http://arquivos.unama.br/nead/gol/gol_adm_6mod/analise_conjuntura_nacional/pdf/aula13.pdf 

terça-feira, 18 de fevereiro de 2014

A CULTURA NEGRA NA IDENTIDADE NACIONAL, O RACISMO E A DESONESTIDADE DO MOVIMENTO


Por Yuri Freire de Carvalho

A visão sobre contribuição da cultura africana, negra, no Brasil, é fundamental se queremos entender a formação do povo brasileiro. Não se pode criar uma identidade nacional amputando um membro tão importante do organismo complexo que forma esse país.

E não falo apenas da capoeira, do samba, do dendê, do caxixi, do frevo, do folclore, do maracatu e do feijão preparado à moda brasileira (a deliciosa feijoada). Falo também dos negros que lutaram na independência da Bahia com o batalhão de pretos e pardos forros, recrutados por Labatut para lutar ao lado das tropas baianas, episódio que culminou em campanhas de libertação de negros por parte de vários senhores já em 1823 quando nem se falava em fim da escravidão. Nesse episódio, os negros foram relatados em diversas ocasiões como homens de bravura e de grande valia na luta pela independência. Lutavam lado a lado com brancos¹

O que falar ainda da Revolta da Chibata e o Almirante Negro, João Cândido, que lutou pela melhoria do serviço militar e pelo fim dos castigos aplicados, episódio fundamental e ímpar na história da República?². Infelizmente, manipulado mais tarde pelos comunistas, viria a gerar uma insubordinação contra a hierarquia e contra os oficiais das forças armadas do Brasil³.

Não poderia deixar de citar Machado de Assis, negro, nascido de família pobre, conquistou a riqueza e o reconhecimento já em vida pelos próprios méritos. Não há como querer entender a identidade cultural e literária brasileira sem se arvorar no mundo machadiano.

Quem quer compreender como se configura a arte brasileira (seja popular, seja erudita), não pode negar a arte moderna. Anita Malfatti, Oswald de Andrade, Mário de Andrade, Tarsila do Amaral, todos trouxeram à tona as suas influências da arte negra e como ela influenciou no fauvismo, cubismo, até mesmo realismo e expressionismo⁴. Tudo isso fez retratar a influência negra na cultura.

Nos tempos de hoje, temos exemplos de Pelé, admirado no esporte, Heraldo Pereira, no jornalismo e até Joaquim Barbosa, ocupando o mais alto grau do judiciário brasileiro. Enfim, poderia redigir o texto inteiro demonstrando por “a mais b” o quanto a identidade negra é a identidade brasileira. Os exemplos pululam. A simbiose é tal que não existe mais processo de separação. Falar em Brasil é falar em multicultura e entre elas, com imensa participação, a negra. Ser brasileiro é ser negro em uma grande parte, quem quer que seja.

É engraçado, para não dizer ridículo, que mesmo depois de tantos exemplos, e até mesmo da autoafirmação por parte dos próprios afrodescendentes, o movimento negro insistir em tratar a história do país retratando os seus representados como alguém de fora. Quase sempre o movimento negro trata os negros como um povo que fora trazido ao Brasil e aqui destituído de toda a sua identidade. Aqui no país o negro é retratado pelo movimento como alguém aviltado, que não faz parte da construção, mas como alguém usado na construção. São postos em condição de meros espectadores, “vitimizados”, um povo a quem se deve uma indenização, justamente por nunca terem sido parte da história. Os militantes querem colocar os negros em uma posição “de fora” e que por todos esses anos "off" agora precisa ser colocado “de dentro” à todo custo. Como antes nunca foi protagonista, precisa ser reparado e agora deve ter a chance de protagonizar. Nada mais esdrúxulo, injusto, mentiroso e perverso.

O que acontece é sui generis. Se o assunto é valorizar o negro, ai o movimento é rápido em citar essas e mais contribuições negras para o país. Mas já que a retórica passou, porque não “tirar uma lasquinha”? Sendo assim, para justificar todo tipo de privilégio, em instantes esquece-se toda a contribuição sócio-cultural e mais rápido que a luz, o negro, que fizera tanta coisa, agora não fez nada. Quando se quer obter privilégios, nada disso conta, conta mesmo é o quanto ele foi vitimado, esquecido e deixado de fora da história. É ai que entra a paranóia de perseguição racista, a criação de um clima hostil, uma luta eterna contra um inimigo que nunca existiu, mas precisa existir. É nesse momento que se propagandeia a falsa idéia de um Estado racista, de supremacia branca, elitista e excludente.

Nesse momento, justifica-se criação de cotas, blocos de carnaval exclusivamente “afro”, medidas de reparo e afirmativas (termo muito estranho e desafiador), observatório policial e leis penais especiais para tratar crime de racismo. Nesse momento, em um piscar de olhos, o negro não fez nada senão apanhar e agora merece bater um pouquinho. Nunca participou como peça chave no país e agora é a sua vez.

A luta pela concessão de privilégios é injusta pelo simples fato de pedir privilégios. Mais ainda quando esse pedido é injustificado já que o personagem a quem se quer reparar, participou tanto quanto os outros do processo. A contribuição negra é tão importante quanto a branca. A criação de blocos opostos, antagônicos nada mais é do que um discurso artificial que cria grupos artificiais. Não existe alguém puramente branco e nem puramente negro nesse Brasil. Se existe algo a ser pago a alguém, seria estranho pedir para minha metade credora que pague a minha parte devedora. Seria como retirar dinheiro da minha conta para depositar na minha outra conta.

Essa quimera social artificial cria algo bizarro. Faz toda a nação ter uma dívida consigo mesma. O preto e o branco se imiscuíram tanto na herança brasileira que qualquer tentativa de agrupar alguém em um grupo homogêneo é um tiro longe do alvo e uma atitude desonesta. Eu falo, escrevo, leio, brinco e danço como negro e como branco. Como europeu e como africano. Mas artificialmente fomentado pela esquerda (grande parte de herança marxista), de repente, eu danço como branco, luto como branco, bato como branco, escravizo como branco, estudo como branco e sou racista. Não há nada em mim que possa lembrar ou sugerir a herança negra, a participação negra. Claro que tal criação só pode resultar em aumento do racismo, da discriminação e o antagonismo, e por lógica o clima de tensão.

De repente não olho para o meu vizinho como igual, porque vejo nele alguém do outro grupo, alguém que luta do outro lado, uma pessoa que no mínimo está pronta para atirar, porque acredita piamente que boa parte dos seus problemas existe graças a mim e aos meus antepassados (que ironicamente são os mesmos dele). De repente meu colega de trabalho acredita que seu insucesso e sua não promoção se devem aquela exclusão histórica, o apartheid criado pelos "do meu grupo". E agora ele precisa lutar contra isso.

Querer leis especiais, cotas, e outros privilégios porque negro, é a mesma idéia de querer obter privilégios e heranças pelo nascimento. A mesma herança aristocrática que se quer combater, se quer obter. Da mesma forma que é feio alguém ter acessos porque carrega consigo um sobrenome, é feio alguém ter acessos porque exibe um fenótipo. No final das contas deixa de ser uma luta por emancipação e passa a ser uma luta pela substituição de privilégios. Fazer trocar de mão a fidalguia. Fazer trocar de mão a oligarquia. Só muda a justificativa.

Existem duas formas de contar a história de um povo. Uma é a forma João Ubaldo Ribeiro em “Viva o Povo Brasileiro” ou ainda os vários autores negros em “Caderno dos Negros”, e a outra forma é a forma Tolkien em “O Hobbit” e “O Senhor dos Anéis”.

Em João Ubaldo, o povo brasileiro e sua identidade, são construídos em cima de uma angústia. Por mais que se consiga traçar um perfil brasileiro na obra, o livro no fim das contas, retrata a identidade do povo como uma alma que percorre grandes episódios da história brasileira com participação popular, sempre encarnando em um personagem do povo, sempre desencarnando após derrotas e frustrações. Na obra, o povo brasileiro não se constrói a si mesmo, é uma eterna alma em busca do corpo (identidade) a encarnar definitivamente. Nesse sentido é sempre algo fora da história (alma) tentando entrar na história e se achar em meio aquele emaranhado de fatos. Em “Viva o Povo...” não existe uma identidade, existe uma frustração. A identidade brasileira sempre é desfeita por meio do assassinato, da mentira, e da devassidão. Os personagens concretos e de identidade perene (podemos citar assim),são sempre pessoas asquerosas, brancos oportunistas, senhores de escravos que estupram seus escravos e se masturbam na janela. O povo sempre é vitimado. Exalta-se o povo enquanto mostra sua participação, ao passo que não deixa esse mesmo povo ser a identidade nacional. A identidade sempre é uma alma vagante, sem forma definidada, no Brasil que ainda não encontrou o Brasil onde encarnar definitivamente.⁵

Em “O Hobbit”, Tolkien conta a história de um povo pequeno, frágil e feliz que vive no Condado. A identidade do povo do condado é perfeitamente definida e clara: é um povo que canta sua história simples, sem grandes heroísmos, e sem nenhuma participação nos grande eventos da Terra Média. Então resta ao Hobbit cantar sua culinária, sua dança, suas múltiplas refeições, sua admiração pelos grandes heróis e pelos fogos de artifício. Entretanto a reviravolta acontece em Tolkien. Esse mesmo povo simples e frágil, que até então não seria capaz de grandes feitos, passa a ser protagonista. Um jovem hobbit tem a missão mais importante da história da Terra Média: portar o anel e destruí-lo. Claro que o Jovem Frodo não conseguiria sem os grandes guerreiros, mas quem está com ele em todos os momentos é o frágil amigo Sam Wise. E durante toda a história eles são escravizados, mas sem perder a altivez e a honra, sem separar os valores da amizade e lealdade, são capazes de grandes atos heróicos. E mesmo não sendo apenas virtuosos (a ganância aparece entre os hobbits também, e em parte da história eles também são capazes de escravizar outrem – Gollum) eles entram para a história mostrando o quanto os pequenos podem alcançar coisas grandes.⁶

No primeiro exemplo, de Ubaldo, um grande povo é capaz de grandes atos, não sustenta uma história digna. Em Tolkien, um pequeno povo, é capaz de grandes atos e sustenta toda uma história. Naquele, existem raças beligerantes onde quem perde é o povo, a identidade. Neste existem raças beligerantes, onde quem ganha é o bem e o mundo todo, existe aliança entre os povos e as identidades são preservadas sem prejuízo de nenhuma. Uma visão é singela e humildemente linda, digna de honra, a outra é obscura e dantesca, não existe nada e nem ninguém a ser exaltado. Em Ubaldo, a gente sai com asco, odiando um grupo e sem pesar do outro. Em Tolkien a gente sai esperançoso, altivo e acreditando no mais fraco.

Incrivelmente a maioria do povo brasileiro que conheço se enquadra no perfil hobbit e não Alferes Brandão Galvão. Deixo o exemplo (com toda licença) de uma amiga, Isis. Negra, de classe média baixa, nunca fui recebido em seu lar (abençoado com muitos filhos e casamento) de outra forma que não fosse com sorrisos, bom tratamento, abraço e histórias bacanas. Trata-se de uma família humilde e batalhadora, de gente decente, que nunca pediu privilégios por serem negros. Pelo contrário, batalham dia a dia, e conseguiram fazer do seu filho,meu amigo, Luis Henrique um campeão nacional de Judô e também sul-americano. São pessoas felizes, cristãs e que tem algo de bom a dar a quem ali chega. Em nada se parece com o povo árido de “Viva o Povo”. São muito mais parecidos com hobbits do que com o povo de Pirajá. Não há recalque naquela família, não há ódio e nem pedidos de privilégios. Existe identidade.

O que a militância negra faz me lembra, de certa forma Dom Quixote. De tanto ler sobre cavalaria e trovadorismo, enlouqueceu. Sancho Pança seu fiel amigo, é um realista, inveterado, mas que mesmo sendo assim, cede aos devaneios quixoteanos e aventura-se com seu amigo louco. Ou seja, mesmos sabendo das loucuras do amigo, e não vendo correspondência entre dragões e moinhos de vento, ainda sim, cede as alucinações e vai em jornada. Não com objetivo de mudá-lo mas segue-o mesmo, na esperança de viver aquilo que vive o seu amigo. Entrega ao louco a autoridade de ler a realidade.⁷

Assim é a militância e o povo. A militância é Dom Quixote: de tanto ler Marx, se deixa vencer pelo anacronismo e ainda acredita no mundo como era no passado. De tanto ler Marx, enlouquece. E o povo é como Sancho Pança. Simples, realista e pitoresco, não tendo outra opção se deixa ser liderado por loucos. O povo vive junto e experimenta a cultura negra. Tem amigos negros, saem com negros, namoram com negros e mesmo assim acreditam na loucura esquerdista que diz que o negro vive em pleno regime de exclusão. Para o movimento negro inclusão representa ter acesso a tudo aquilo que eles dizem odiar enquanto esquerda: cargos de chefia, renda de burguês, acesso à escola e saúde pagos. Ou seja, estar incluído significa meramente os valores materiais e objetivos, nada de imaterial e imanente, como cultura, fé, identidade, respeito e honra. O que querem mesmo são privilégios, viverem como gente de pedigree. E para tal, vale tudo, inclusive se associar ao partido e à todo tipo de gente que prega inclusive, escravidão, intolerância e racismo, como o partido comunista.

Para o movimento negro, todo negro nasce com uma pauta política a seguir. Ai do negrinho que fuja dela, será execrado e terá a reputação assassinada. Será visto sempre como um “negro de alma branca”, como vimos nos casos de Heraldo Pereira e Joaquim Barbosa. Ora, se lutam tanto pela conquista, quando um dos negros chega lá, é mal visto, fica muito claro que não interessa ao movimento negro as conquistas reais. Uma vez que todo negro esteja incluído e a sociedade se dê conta disso, nunca mais terão como justificar suas benesses. Nunca mais terão que existir. Então é preciso criar sempre um estado de alerta. O problema nunca deve ser sanado pelo bem do próprio movimento. A igualdade sempre é um “devir”, um processo. Se conquistado, não poderão mais obter privilégios e nem se imiscuir no Estado. Logo fica evidente o porquê odeiam negros que dão certo. O que dá certo põe em risco o seu discurso de ódio.

Não dá mais para acreditar em um grupo que milita nesse sentido. Se por negro entendo eu e todo o povo brasileiro, não há o que apartar. É muito mais limpo e legal observar a história brasileira com seu legado cultural complexo, interativo e dinâmico, do que o contrário, uma história estática, polarizada e tão suja que dá desgosto de sentir-se povo brasileiro. A quem serve essa visão imunda? Quanto mais demoramos a construir nossa identidade, mais demoramos a atingir a unidade. E isso é tudo que o partido quer, para reinar soberano e manter essas mesmas antigas oligarquias que os negros engajados juram estar combatendo.

REFERÊNCIAS:
1. Livres como o país, Hendrik Kraay. Disponível em www.revistadehistoria.com.br
2 .Revolta da Chibata - A História da Revolta da Chibata, causas, reivindicações dos marinheiros, acontecimentos, líder João Cândido (Almirante Negro), punição para os revoltosos. Disponível em http://www.suapesquisa.com/
3  . A Grande Mentira. Agnaldo Del Nero Augusto; Livraria do Exército Nacional
4 .O Tropical de Anita Malfatti e O Mordernismo Brasileiro. Armaldo Daraya Contier; Eduardo Yoshikazu Nishitani;Thiago Hara Dias.
5  .Viva o Povo Brasileiro, João Ubaldo Ribeiro, Ed. Nova Fronteira.
6  .O Hobbit e O Senhor dos Anéis, J.R.R. Tolkien
7  .Dom Quixote De La Mancha, Miguel de Cervantes.